In mailing LUST #259 | 11 novembro 2006 | www.flur.pt | loja@flur.pt
agora:
para quem ainda não leu,
o editorial do nº3 do UM
(grátis na flur e outros locais)
fala sobre o no music day,
um dia saudável em que se deve abdicar da música
para salvar o nosso amor por ela.
a justificação natural é a omnipresença da música
no quotidiano, a qual conduz inevitavelmente
à sua banalização.
ao trabalhar numa loja que vende discos,
a necessidade de desligar é um hábito regular para nós.
passar o dia a ouvir música cria não só automatismo
na maneira como se ouve (coloca-se um disco a tocar
e ao terceiro tema já não interessa o que toca,
a menos que mexa com os nervos).
mas cria também um afecto especial
pela música que depois se ouve em privado.
é discutível dizer que existem boas e más maneiras
de ouvir música, o prazer na audição
não pode ser quantificado desse modo.
a música é uma parte importante da vida de muitas pessoas,
por variadíssimas razões, muitas vezes em conflito
umas com as outras: a ideia de universo pessoal
construído com base na música que se escuta
é cada vez mais tangível com o acesso terrivelmente fácil
à música através da internet (blogs, lojas, troca de ficheiros, etc).
o excesso estraga-nos, como sempre nos ensinaram desde pequenos
e já experimentámos por nós próprios em alturas de maior voracidade
(por música e não só), quando depois se olha para trás e se pergunta:
foi assim tão importante?
uma das características do acesso fácil a quase toda a música existente
é a diminuição da importância de supostos gurus que sabem o que ninguém
mais sabe e têm o que ninguém mais tem.
agora todos podemos ensinar coisas uns aos outros,
mas nessa troca de serviços repara-se, muitas vezes,
numa forma de autismo que acaba por resultar
em maior número de tentativas de 'ensinar'
do que tentativas de 'aprender'.
há menos pessoas a ouvir rádio, genericamente,
porque agora podem fazer a sua rádio.
é fácil saber mais do que a programação de qualquer rádio,
e essa superioridade por vezes manifesta-se de formas desagradáveis.
noutra escala, passa-se algo semelhante com os discos.
mais profundamente, o acesso fácil via net pode ter o efeito benéfico,
a curto prazo, de ser preciso ir mais longe para surpreender.
nomes cada vez mais obscuros, música cada vez menos óbvia
e a sensação reconfortante, enfim,
de que ainda não chegámos ao ponto final
da nossa relação com a música.
a longo prazo, porém, começa a temer-se o esgotamento de reservas
como se teme, por exemplo, com o petróleo e a água.
a desmaterialização da música para um formato de ficheiro,
a posse desse formato,
significa a tomada de consciência de que a música existe
independentemente de quem a faz.
alguém a coloca ali para nós.
nos melhores exemplos, é alguém como nós.
nos piores e mais visíveis, é alguém que se quer aproveitar de nós.
como todos sempre quisemos um pedaço de paraíso,
uma ilha privada,
a diferença é que agora é possível ter isso muito rapidamente.
assim, não devemos nunca esquecer
o bem que faz questionar periodicamente
a nossa própria tendência para o lado burguês das questões,
com tudo o que o termo tem de pejorativo.
no music day acontece no próximo dia 21 de novembro
e ficou instituído como data a assinalar anualmente.
leiam mais no UM ou em http://www.nomusicday.com/home.htm.
celebrar no dia 21 tem a vantagem de podermos olhar para o lado
e alguém estar a fazer o mesmo.
celebrar em qualquer outro dia tem a vantagem de decidirmos,
naquele dia, que basta.
isso é igualmente bom,
já que não chegamos todos às mesmas conclusões ao mesmo tempo.
Saturday, November 18, 2006
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